Namorar, namorar, namorar…

Por Margarida Rebelo Pinto

Amor & Etc

Namorar à Janela

Ando há mais de 30 anos a estudar, a pensar e a escrever sobre o amor, e quanto mais tempo passa, mais sinto que nascemos e somos criados com base em ideias de amor que são erradas, anacrónicas, injustas, disparatadas e completamente alheadas do senso comum. Não que o amor não tenha a sua magia própria e nasça das formas mais inesperadas, juntando as pessoas mais improváveis, mostrando com isso que, se há amor, tudo é possível. E é. Na verdade, tudo é possível, o que não é possível é viver numa sociedade sem amor.

Mas afinal o que é o amor? Onde nasce e como começa? Com que idade sentimos a primeira paixão? Quando é o momento certo para começar a dar beijos, ter relações sexuais, juntar os trapinhos ou para casar?

Enquanto vivíamos em sociedades com pouca liberdade de pensamento, regidas por normas estritas, quase militares, existiam regras e tempos para tudo. Mas agora que já ninguém vai à tropa, como podemos saber qual o melhor momento para fazer isto ou aquilo? Existem crianças que se apaixonam na creche e adolescentes que atravessam o secundário sem se apaixonarem. Existem rapazes que descobrem a sexualidade aos 12 anos e outros que chegam à maioridade ainda virgens, portanto não há idades regulamentares para proibir ou permitir isto ou aquilo. E rapazes que têm experiências homossexuais sem serem gays e meninas que têm paixonetas por outras meninas com quem trocam os primeiros beijos, sem que isso signifique que venham a ser lésbicas. É claro que todas as variantes de comportamento sempre existiram, já que o ser humano é original, imprevisível e diversificado, mas a igreja e os regimes totalitários sabiam como abafar.

E agora, que a vida privada é cada vez mais vivida às claras, onde começa o amor?  Eu acredito que o amor começa na barriga da mãe quando ela fala com o feto e depois em casa, com o amor que recebemos dos nossos pais. Esse amor primeiro mercantilizado na família, ensinas-nos as bases do nosso amor. E como cada família é diferente, também amam de forma diferente. Imaginemos os clãs escoceses, cada um co um padrão diferente. O amor que se ensina e se aprende em cada família, tem cores, matizes e padrões diferentes de qualquer outro. Às vezes podem existir semelhanças, o que facilita o entendimento.

A minha sábia mãe que é PhD de Psicologia disse-me há muito anos que para uma relação resultar entre duas pessoas, eram precisos três fatores: gostarem uma da outra, entenderem-se e serem do mesmo género. A estes eu acrescento mais um, sem o qual nunca vi uma relação de longa data não derrapar: as pessoas envolvidas quererem as mesmas coisas ao mesmo tempo. Eu já desfiz um noivado porque o rapaz queria um comprar um 6º andar num condomínio de luxo com aspiração central e eu queria uma casa antiga para reconstruir. Tínhamos tudo, menos isto. E lá foi um plano de vida para o espaço. Hoje ele vive feliz num apartamento e eu na casa reconstruída.

O primeiro paradigma do amor fora de casa é o namoro. Os meus avós namoraram por carta e à janela. Namorar à janela era uma forma rudimentar de usar o Tinder, apenas com uma opção para cada um dos intervenientes., mas no fundo não era assim tão diferente. O interesse começava com o lado físico e depois podia evoluir com conversas interessantes.

Como a minha avó vivia num segundo andar, a vizinha do primeiro ficou amiga dos pombinhos. O pombinho avô que se dirigia à morada da sua donzela montado num cavalo – era menino do Colégio Militar e deslocava-se pela cidade com a sua montada – lia-lhe versos e fazia-lhe serenatas. Anos depois, quando obteve autorização para descer do cavalo e subir ao segundo andar, a minha avó reparou que era bastante baixo, mas o tempo passara e o seu coração de adolescente já estava preso àquele rapaz. O avô nunca cresceu, mas o amor entre os dois nunca diminuiu, nem quando ele perdeu capacidade auditivas, nem quando a avó caiu no corredor e foi internada, numa daquelas idas ao hospital já sem volta.

Era bom para o mundo se as pessoas voltassem a namorar à janela, ou sob outras formas, desde que o romantismo fosse recuperado. Namorar é ir ao cinema, beber chá com torradas, passear de mão dada junto ao rio, passar uma tarde no jardim da Gulbenkian a atirar pão aos patos. Namorar é trocar juras de amor num banco de jardim e enviar o grande xarope da nossa vida por whatsapp assim que se acorda. É comprar cartões do Snoopy a abraçar o Woodstock, é escrever adoro-te no guardanapo de papel com que serve o café, deixar bilhetes e fotografias no íman do frigorífico, planear um fim de semana surpresa, dormir agarrado e pedir ajuda para levar o cão ao veterinário.

É verdade que nem todos os namoros dão em casamento e que nem todos os casamentos são felizes, mas bolas, é preciso começar por algum lado. E não tem de ser com data marcada, o ano tem 365 dias, qualquer um é bom para começar.

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