No seu novo livro, a Escritora reserva espaço às estrelas de Hollywood.

As icónicas Marilyn Monroe, Lauren Bacall , Rita Haiworth…

Tenho um fraquinho por casais felizes. Os ingleses têm uma expressão maravilhosa para expressar um fraco ou a queda por alguma coisa, soft spot. É o que sinto quando vejo um casal feliz, fico toda suave, como se me forrassem o coração a papel de seda.

Talvez fosse útil tentar perceber porque consegui isso poucas vezes ao longo da vida e, mesmo assim, durante pouco tempo. Gosto tanto de histórias certas como de erradas, do que gosto mesmo é de histórias verdadeiras, que, além de serem as melhores, são tão felizes como infelizes.

Norma Jean Baker era uma adolescente cheia de curvas que aos 16 anos já vivera em várias casas de acolhimento. Tinha sete anos quando a mãe foi internada com esquizofrenia. Antes de se tornar Marilyn Monroe, basta olhar para as fotos quando era ainda uma adolescente para perceber que a aura de sexbomb já lá estava.
Não sei se uma mulher nasce sensual ou se aprende a ser sensual, acredito que a vida nos ensina a tirar o melhor partido de tudo o que somos, mas tem de existir uma base para que tal atributo se desenvolva. Naquela geração de divas de Hollywood não existia espaço para mulheres que não fossem completamente sensuais. Foi uma época de ouro para a beleza feminina e negra para as mulheres. Apenas a Lauren Bacall conseguiu de alguma forma contrariar essa tirania tão marcada, com as suas pantalonas largas e a voz grave.

Mas a máquina de Hollywood transformou essas afirmações de feminismo numa outra maneira de ser sexy, e Bacall acabou por se tornar também num sex symbol.

Rita Hayworth dizia, com sábia lucidez, que todos os homens queriam deitar-se com Gilda, mas nenhum queria acordar com ela. O seu verdadeiro nome era Margarita Carmen Cansino, filha de um dançarino italiano que, apesar de dançar melhor do que Fred Astaire, nunca vingou na tela por causa do sotaque carregado. Usava a filha para a violar à tarde e a exibir como par de dança à noite. Rita só foi feliz com Orson Welles, que, apesar de a adorar, a traía com frequência. Morreu sem juízo, apanhada na curva pela doença de Alzheimer.

Marilyn talvez tenha morrido de tristeza, sem nunca ter deixado de ser Norma Jean. As más-línguas da época fizeram circular que o facto de ter sido, ou ser ainda, à data da sua morte, amante do Presidente Kennedy poderia dar pistas para uma morte não acidental. A teoria da conspiração, praticamente irresistível de tecer sempre que uma celebridade morre, não é mais forte do que a simples constatação feita pelo senso comum que nos leva a reconhecer o padrão da estrela em declínio que morre sozinha em casa depois da ingestão de substâncias pouco recomendáveis cuja mistura resulta num desfecho infeliz: Michael Jackson, Amy Winehouse, George Michael e tantos outros. Estrelas mundialmente adoradas que se deixam enredar nas teias da solidão e se vão entregando à morte, como quem deixa a porta aberta de propósito para facilitar a entrada ao ladrão. E um dia a ceifeira, mais eterna do que a eternidade, entra com o sorriso metálico e triunfante de quem quase nunca perde, passa a porta e leva-os.

Marilyn terá sido feliz num dos seus casamentos, pelo menos durante alguns anos, com o dramaturgo Arthur Miller. Mais uma vez, um homem superiormente inteligente, tal como Orson Welles, a grande paixão de Rita. Arthur, o autor idolatrado pela elite intelectual americana, perde-se de amores por uma diva do cinema. E ambos pela mesma razão: para lá da sexbomb existe um ser frágil, sensível, maravilhoso, uma menina abandonada que precisa de colo, um pássaro ferido que precisa de ninho, de cuidados, de mimo, de atenção, de segurança, de amor e de paz. As fotografias de Arthur com Marilyn são de uma ternura que faz comover a alma mais empedernida. Há uma energia no olhar e na forma como estão agarrados que ultrapassa todos os cinismos. Gosto de acreditar que se amaram profunda e apaixonadamente, carne, coração e espírito, nervos e alma, para o mundo mas sobretudo  para eles mesmos. Mas Marilyn era um ser humano profundamente danificado, carregando, dentro e fora do peito, uma alma atormentada. Arthur não a conseguiu salvar, porque ninguém salva ninguém, e Deus ajuda quem se ajuda a si próprio. Durante os anos em que estiveram juntos, mal conseguia trabalhar, sentia-se consumido pela mulher e pelos traumas que ela carregava. Do mesmo se queixou Wilde em De Profundis, Bosie ocupava- lhe demasiado tempo, roubando-lhe energia para o que realmente importava, o trabalho.

O amor, a paixão, o desejo e o sonho sempre foram as grandes musas de qualquer artista. O que acontece quando o artista se deixa engolir literalmente pela sua fonte de inspiração a ponto de pôr em risco o trabalho? Camille Claudel deixou-se enfeitiçar e dominar por Auguste Rodin e acabou os seus dias internada num hospital psiquiátrico. Já o casal Curie nunca deixou que o trabalho afetasse a sua relação amorosa, e vice-versa. Trabalhavam juntos num objetivo comum. Eram um casal em casa, na cama e no trabalho. Mas não eram criadores, artistas, mentes atormentadas pela entropia, eram investigadores, cientistas, mentes práticas focadas em resultados. Talvez seja mais fácil amar na ciência do que na arte.

Excerto de

A Certeza Do Acaso

Já disponível nas livrarias e outras plataformas.

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