Homens bonitos
– Sabias que duas palmeiras são o símbolo da felicidade? – disse-me o Eduardo há muitos anos, a primeira vez que foi a minha casa. Eu não sabia. Só sabia que estávamos apaixonados e que podíamos ter casado naquele ano. Depois o Eduardo desistiu, era uma grande mudança e teve medo. Dois anos mais tarde chegou a dizer-me que ia casar com outra, mas o enlace nunca se deu.
Um dia zangámo-nos e nunca mais falámos. A sua imagem foi-se diluindo como vinho em água até perder nitidez, perfume, temperatura, até perder tudo. E quando mudei de casa o que restava do fantasma do Eduardo ficou naquela casa na qual não entrei durante sete anos.
Esta semana voltei lá para tirar medidas. Preciso de um roupeiro onde possa guardar a minha coleção de vestidos compridos. Gosto muito de usar vestidos compridos porque me sinto tão alta como a palmeira que sobreviveu no jardim, já que a outra foi apanhada por uma praga e teve de ser cortada.
A altura numa mulher ajuda sempre a atrair os homens mais corajosos e a afastar os mais medrosos. Isto penso eu enquanto rasgo contas antigas e separo em sacos as roupas, botas e sapatos que já não uso para oferecer a quem mais precisa.
Talvez esta ideia seja tão fútil quanto incorreta. Conheço vários homens baixos que são muito corajosos e alguns altos que têm medo de mim. O Alexandre, por exemplo. Era um gigante, mas quando foi mal-educado comigo e levou uma estalada na cara, passou a ter medo do meu feitio intempestivo. Ou o Miguel. Uma vez apanhei-o no Bairro Alto de mão dada com uma miúda, eu tinha 27 anos e ele 38, dei-lhe um encontrão tão grande que tropeçou no seu peso e estatelou-se no chão. No dia seguinte mandou uma dúzia de rosas para o jornal onde eu era editora de sociedade e não descansou enquanto não conseguiu reconquistar o meu coração, ainda que no lugar das amizades castas, que acabam por ser as eternas.
O problema com a beleza é que nos tolda em relação à verdadeira essência humana. Nunca ninguém conseguiu provar cientificamente que as pessoas bonitas são boas pessoas. Pelo contrário, a vida vai, não raro, mostrando que o oposto prevalece. E isto é válido tanto para homens bonitos como para mulheres belas.
E se os homens bonitos que sabem que são bonitos tiram partido disso, delas então nem se fala. Conheço verdadeiros diabretes com cara de anjo, cabelos ondulados à princesa da Disney e sorrisos cândidos próprios de quem não parte um prato.
– Um prato não, mais vale partir o serviço todo – diz a voz da minha avó Henriqueta dentro da minha cabeça, como se estivesse ainda viva, enquanto decido que fotografias deito fora e quais vou rasgar. Rasgo as do Eduardo, guardo as do Miguel e do Alexandre.
Há pessoas que valem a pena ser guardadas, apesar de todas as mudanças, e há outras que não. No fundo nem somos nós que escolhemos, são os outros que acabam por desenhar o seu lugar na nossa vida.
By Margarida Rebelo Pinto in Amor & Etc @M magazine
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