O jantar dos 50 anos do meu amigo Luís, no qual se juntaram 50 amigos fez-me pensar sobre a eterna questão da amizade entre os sexos. Estavam ali quase vinte mulheres que o rodearam de mimos e atenção e o encheram de surpresas e presentes, demonstrando um sólido afecto, ainda que, talvez, num ou noutro caso, remotamente perturbado pela desordem do amor. Seja como for, o que se viveu naquela noite foi o espírito da amizade que pôs o Luís com o sorriso de menino de cinco anos depois de abrir os presentes na noite de Natal.
A amizade entre os homens é um dado adquirido; a amizade entre as mulheres é um luxo raro e precioso; a amizade entre homens e mulheres é um bico de obra. Não é nem para todos os homens, nem para todas as mulheres, nem para todas as circunstâncias. Mas quando existe, é uma das melhoras aquisições que se pode fazer na vida.
“Boneca de Luxo” é um delicioso romance de Truman Capote que conta a história de uma americana de atitude exuberante e origem duvidosa que se movimenta com à vontade e perícia no meio nova iorquino do início dos anos 40. A heroína é Holly Golightly, encarnada no cinema por Audrey Hepburn no filme Breakfast at Tiffany’s, título original da obra.
O protagonista é um jovem aspirante a escritor que mora no mesmo prédio, com quem Holly estabelece uma relação de amizade com os típicos contornos da vaga ambiguidade que põem os homens apaixonados, sem que possam acusar as mulheres de terem feito alguma coisa por isso. A amizade cresce, sofre crises e eterniza-se no dia em que Holly decide fugir para o Brasil e o escritor promete encontrar o gato dela. Nunca acontece nada entre eles, não porque ele não o desejasse, mas porque Holly manobra a relação de forma a que a cumplicidade e o entendimento se sobreponham à atracção, desarmando o adversário com confidências fáceis, indiciando-o numa intimidade fraternal que chega ao ponto de lhe chamar Fred, o nome do irmão morto em combate.
A amizade entre homens e mulheres é uma tarefa carregada de subtilezas e sinais de fumo que cabe às mulheres transformar num terreno neutro e sem ambiguidades. Nem vale a pena pensar que o factor sexual passa ao lado. Como diz uma amiga minha, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, que é como quem diz, um homem é um homem e uma mulher é uma mulher e não é pelo facto de serem os melhores amigos que a sexualidade desaparece. Mas, por alguma razão há mulheres que conseguem ter amigos homens e outras não.
Um amigo que tem paciência para nos acompanhar nos saldos, pode não ser “o homem da nossa vida”, mas pode ser o amigo da nossa vida. Mesmo que ele comece por pensar que é “o homem”, cabe-nos a nós desfazer o equívoco com doçura, sem dar campo à eterna dúvida.
Às vezes, é difícil um homem perceber que uma mulher tem um prazer imenso na sua companhia, mas nem lhe passa pela cabeça ir para a cama com ele. As mulheres são mesmo assim. Acima do sexo, o afecto. Acima do corpo, o coração. Acima do durante, o antes e o depois, o riso, a companhia, o tempo que os homens nos dão. Numa amizade entre um homem e uma mulher há tudo isso de uma forma pacífica e fácil, sem a desordem do amor. Mas é preciso explicar-lhes, até eles perceberem.
O Luís, meu amigo desde os 25 que percebe destas coisas, passou por mim e fez-me uma festa na cabeça. No dia seguinte mandei-lhe uma mensagem que dizia: um beijo do tamanho do mundo, para quem tem um coração ainda maior. Piegas ou não, senti-me mesmo orgulhosa de ser mais uma das suas melhores amigas, daquelas que lhe telefonam a qualquer hora para desabafar, que ele leva a jantar e trata com honras de princesa e que me ajuda a perceber melhor os outros homens.
by Margarida Rebelo Pinto in Amor & Etc @M magazine
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