A inveja é um país que nunca visitei, mas que vive no meu país o ano inteiro. No século XVII já se contava na Índia a história de um pescador de caranguejos que não tapava o balde onde punha as suas presas. Quando lhe perguntaram porquê, respondeu que os bichos eram portugueses; se um tentasse subir, os outros encarregavam-se de o puxar para baixo. Quando Camões usou a palavra inveja para acabar a sua epopeia, sabia que estava a falar da alma do seu país, à beira-mágoa plantado, entalado entre o fim de uma Península e um oceano imenso, fechado sobre si mesmo como um bicho de conta.
A inveja é um país que vive dentro do meu país. Podia ser mais uma província, ou uma ilha perdida num dos dois arquipélagos. A inveja é gorda, baixa, tem verrugas no nariz e pêlos que teimam em sair das orelhas. É muito velha, talvez do tempo da D. Urraca. É o dedo apontado a um ligeiro defeito físico. É o comentário venenoso perante a felicidade alheia. É a mentira infame perante o sucesso. É a assunção do fracasso mascarada de crítica.
A inveja é uma ilha sem pontes nem aeroportos, uma armadilha, um lugar maldito. Não tem campos, só descampados, e as praias são de pedra dura. O sol brilha pouco na ilha; ninguém o deixa brilhar. E o vento leva e traz as piores notícias, quase tão veloz como a velocidade da luz.
O meu país vive dentro desta ilha e não consegue ser maior do que ela. Em vez disso, cede, desconcentra-se, dispersa-se, confunde-se; perde brio, força, auto-estima. Ficam as glórias do passado para recordar em livros, letras de fados que nunca se esquecem, ficam os dias de solidão e vazio, fica o medo pelas ruas, a mendigar como um pedinte, a conquistar fiéis e simpatizantes. Mas mesmo assim é o meu país, repleto de pessoas brandas e com bom coração. Se a inveja se curasse, Portugal talvez começasse a levantar a cabeça. Quero acreditar que depois da pandemia, talvez as pessoas melhorem um bocadinho. Pelo menos durante algum tempo. Enquanto se lembrarem. E depois, quando será? Nem vale a pena pensar nisso, o mundo mudou, não sabemos como vai ficar, como vai ser. A única maneira de saber é esperar. Eu espero e vou fazendo a lista dos países que ainda vou visitar. A Inveja nunca será um deles.
by Margarida Rebelo Pinto
in Amor&Etc@Mmagazine
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1 comentário
Clara · Maio 2, 2020 às 13:14
Muito bom